Ele olhou para o relógio no monitor e reparou que já passavam cinco minutos das treze horas. Pressionou o botão Power, agarrou o seu casaco que estava pendurado na cadeira que ocupava e levantou-se para sair o escritório.
“Vou almoçar.”
Não aguardou a resposta do seu chefe que estava concentrado no trabalho à sua frente e que se limitou a acenar com a cabeça.
Saiu para o corredor e desceu pelo elevador, juntamente com outras cinco ou seis pessoas que ele não reconhecia mas que imaginou trabalharem no mesmo andar que ele.
Como era já costume, atravessou o parque a pé e dirigiu-se a um pequeno restaurante com um placard reluzente com as palavras “Restaurante Sabor Tradicional”. Entrou silencioso e dirigiu-se ao fundo do salão. A sua mesa estava vaga, como aliás sempre acontecia, encostada à parede bege e sobrevoada por uma grande pintura a óleo que retratava a cidade no século anterior.
Sentou-se de forma a ficar de frente para a entrada e abriu o menu na primeira página. As diárias, escritas num chamativo post-it amarelo eram “Pescada cozida com ervilhas”, “Carne de Porco à Alentejana” e “Crepe vegetariano”.
Voltou a fechar o menu, mesmo a tempo de ser recebido com um sorriso pela empregada de mesa que vinha recolher o seu pedido.
“O que vai ser hoje, senhor?”
“Peixe, por favor!”
“E para beber?”
“Vinho tinto.”
“Vai desejar sopa? Antes ou depois?”
“Antes.”
“Com certeza! Eu trago já de seguida.”
Já há uns meses que visitava de segunda a sexta feira aquele restaurante, mas nunca chegara a saber qual o nome de nenhum dos funcionários, assim como tinha a certeza que eles não sabiam o seu.
Reparou que um dos homens que descera consigo no elevador estava sentado numa das mesas perto da entrada, conversando animadamente com mais dois homens e três mulheres. Não sabia ao certo se os outros também tinham descido consigo, mas também não quis pensar demasiado nisso.
A empregada de mesa trouxe–lhe um prato de sopa de legumes e pousou-o delicadamente na mesa, desejando-lhe um bom apetite.
Enquanto elevava a primeira colherada à boca, reparou por momentos que uma outra jovem se sentava na mesa em frente à sua, de costas viradas para a coluna, o que fazia com que estivesse de frente para ele. Ela, assim como ele, tinha já quase que um lugar reservado. Sentava-se sempre no mesmo local, da mesma forma, à mesma hora.
A sua pescada foi rapidamente servida assim que terminou a sopa e às catorze e vinte horas saiu do restaurante e regressou ao escritório.
No dia seguinte, à mesma hora, voltou a sair para almoçar. Mais uma vez não reparou quem seguia no elevador consigo e ao chegar ao restaurante deu por si, novamente, a pensar se os outros cinco elementos da mesa mais vivaz trabalhavam no mesmo prédio que ele. Pensamento esse que rapidamente esvaneceu, como sempre, para o canto das insignificâncias do seu cérebro.
A sopa foi servida com o sorriso de sempre e ele saboreou lentamente cada colherada. Quando, minutos depois, a empregada levantou o prato vazio e lhe serviu os Panados com Arroz de Tomate, ele deu por si a sentir a falta de algo, sem saber exactamente o que era.
Terminou a refeição e olhou para a mesa à sua frente … vazia …
Ergueu um sobrolho, sem se dar conta disso, e questionou-se interiormente o que teria sucedido à ocupante habitual.
O relógio apontava as catorze e vinte horas e ele saiu religiosamente pela porta, depois de deixar o dinheiro na mesa.
Nos dias seguintes, estranhou a ausência da jovem que desde sempre se sentara à sua frente, mas com quem raramente cruzara olhares e nunca trocara mais do que um simples “Boa tarde”. Era-lhe bastante incomodativo sentar-se só no canto mais recôndito do restaurante, como se isso não lhe parecesse normal ou mesmo desejável.
O fim de semana chegou e consigo os dias em que ele não ia para o escritório, e, consequentemente não almoçava no “Restaurante Sabor Tradicional”.
Quando a segunda feira chegou, ele deu por si a ansiar pela hora do almoço.
Já dentro do elevador, falhou em perceber, uma vez mais, quem lá circulava, embora as suas vozes enchessem o pequeno cubículo descendente.
Entrou no restaurante, mais apressado do que habitualmente, sentou-se e deu uma olhada rápida no menu. Não tinha vontade de comer nada do exposto no cardápio e o seu estômago dava voltas e voltas, deixando-o com uma sensação estranha.
“Boa tarde! O que vai desejar hoje?”
A simpática empregada loira, usava hoje um batom vermelho que fazia sobressair os seus lábios finos.
“Hoje vai ser só sopa. Não estou muito bem disposto!”
“Mas o que o aflige? Precisa que lhe traga algo especial?”
“Não obrigada! A sopa deve fazer-me sentir melhor.”
Ela pareceu genuinamente preocupada enquanto virava costas e pedia ao cozinheiro uma sopa “super-caprichada”.
Cinco minutos depois tinha o prato à sua frente, mas não conseguiu sequer pegar na colher. O seu olhar estava fixo na mesa da frente, ansiosamente aguardando a chegada da sua mais fiel ocupante.
Ele não entendia o que se passava consigo. Não era como se eles fossem amigos, colegas ou sequer conhecidos. Não sabia o nome dela, a sua idade, onde trabalhava, o que fazia, do que gostava – à excepção de ler, porque trazia sempre um livro consigo – mas sabia que se não a visse rapidamente a sua vida não voltaria a ser a mesma. Ela tinha quebrado o ciclo. A rotina. A mecânica da sua vida. A sua roda tinha parado de girar, para depois começar a rodar no sentido contrário. Ele precisava desesperadamente que essa roda girasse na direcção certa novamente e isso só aconteceria quando ela voltasse a sentar-se ali!
O seu coração pareceu saltar dentro do peito quando o vulto reconhecível da jovem se aproximou e ocupou o seu lugar. Ela parecia fraca e doente mas olhou-o e carinhosamente sorriu na sua direcção.
“Boa tarde!”
Senti a sua falta … Era o que ele queria dizer, mas ao invés continuou a olhá-la e depois convidou-a a sentar-se na sua mesa.
Ela olhou-o curiosa e depois de uns segundos algo constrangedores, pegou na sua bolsa branca e ocupou permanentemente um dos muitos lugares vazios no coração dele.
Submetido ao desafio “Encontros e Desencontros” da Fábrica de Histórias