Hoje venho falar-vos de uma situação que o Diogo Simões divulgou, no seu instagram. Trata-se de um relatório (Is it a steal? – An investigation into ‘hybrid’ / paid-for publishing services) que resulta de uma colaboração entre a Society of Authors e a Writer’s Guild of Great Britain. Ainda tenho de ler o mesmo na totalidade, mas ficam algumas considerações iniciais.
E isto porquê?
Para exigir transparência!
Há muito que vos prometi uma publicação sobre a minha breve experiência de publicação e essa ainda está para vir, mas porque não falar do que conheço do mercado editorial, não só de Portugal, mas que acaba por se replicar em muitos outros países?
Fica já o aviso que não conheço todas as nuances de todos os casos. Falo do que vivi, ouvi e pesquisei.
Para começar há que dividir o mercado editorial em três segmentos principais:
- Editoras tradicionais
- Auto-publicação
- Vanity-press ou Editoras híbridas
As editoras tradicionais funcionam da seguinte forma: o autor cria o romance / tese / poema / obra, este é selecionado pela editora e esta faz revisão, paginação, impressão, distribuição e divulgação do seu trabalho. Em troca a editora fica com uma grande fatia das vendas, ficando o autor com uma percentagem das vendas, acordada previamente (em contrato de publicação). Em alternativa o autor pode receber um adiantamento do valor aquando a apresentação da sua criação (isto normalmente acontece com autores já publicados anteriormente na mesma editora). Nesta situação o escritor só começa a receber dividendos quando o adiantamento for coberto pelos lucros. A percentagem normal para o escritor é entre 6-10% sob o valor de venda, para edições em papel, e de 15-25% em edições digitais. Na publicação de contos em antologias é por vezes prática das editoras, em vez de darem percentagem das vendas, oferecerem um certo número de exemplares ao autor. Importante: no caso de livros sem ser antologias, também é comum as editoras darem exemplares aos autores, mas isto não altera em nada o facto de o autor receber os seus direitos de venda dos restantes exemplares.
A auto-publicação consiste no envolvimento do autor em todas as fases da produção e distribuição do livro. O autor pode escolher ser ele a fazer tudo (revisão, design de capa, design de interior, impressão, distribuição), ou pode sub-contratar estes serviços a prestadores de serviços individuais ou a editoras que prestam um ou todos os serviços em troca de um valor. Neste cenário todos os lucros revertem para o escritor, mas também os custos são suportados por ele. A auto-publicação pode ser tradicional (em papel) ou digital e está cada vez mais acessível, especialmente graças aos serviços de print-on-demand e plataformas de venda de ebooks. No caso da distribuição é normal os distribuidores ficarem com uma percentagem das vendas, mas a grosso modo o lucro para o autor é percentualmente maior.
As vanity-press, ou editoras híbridas, como tenho visto serem referidas ultimamente, são editoras que publicam os trabalhos dos escritores a troco de um valor de investimento inicial. Atenção! Não são prestadores de serviços como no caso da auto-publicação. Aqui o escritor paga por um pacote de serviços, e não recebe uma percentagem das vendas. Em vez disso recebe um determinado número de exemplares para si, que depois terá de ser o mesmo a divulgar, vender e distribuir, se quiser reaver o investimento original. Os restantes exemplares são distribuidos e vendidos pela editora, não havendo, por norma, direito a percentagem das vendas para o autor.
É neste terceiro grupo editorial que reside a maioria das polémicas de publicação. E porquê? Porque normalmente estas não são transparentes.
Nenhuma das três opções é má! Que fique bem claro. O que se deve exigir é uma transparência aquando da comunicação com os autores. Estes devem saber ao que vão e quais as alternativas, para assim poderem tomar a decisão que seja mais acertada para si e para a sua obra.
O que muitas vezes acontece com as vanity-press é que o pacote de serviços que é vendido não é cumprido: o texto não é revisto por um profissional, o trabalho final fica cheio de gralhas, problemas de impressão, não há divulgação e a distribuição é nula. Ou seja, o autor muitas vezes pagou por um serviço que não foi realizado. Além disto, muitos dos contratos de publicação são abusivos, ficando o autor da obra impedido de reaver os direitos dos mesmos sem ter de gastar dinheiro em representação legal (informem-se sempre com um advogado ou agente literário antes de assinarem um contrato de edição).
Basta pesquisarem. Os relatos de autores que foram ludibriados são fáceis de encontrar.
Isso faz das vanity-press uma má alternativa? Claro que não! Se cumprirem com o contrato, se as cláusulas de direitos autorais não forem abusivas, e se o escritor tiver a perfeita noção do que está a fazer, com quem está a fazer, o que vai receber em troca, e preferir esta solução às outras duas, então é uma alternativa viável e que pode correr muito bem. Temos várias histórias de sucesso.
E não se enganem, pois nos dias que correm, em qualquer das alterantivas, o escritor tem de dar tudo para ajudar a divulgar a sua obra. Não pode ficar à espera que seja a editora a tratar de tudo, mesmo quando está numa editora tradicional. Ou aliás, pode, se já tiver nome na praça e se puder dar ao luxo. Para os restantes, para os que ainda procuram o seu público e que querem chegar ao maior número de leitores possíveis, o trabalho ainda mal começou quando o manuscrito é finalizado.
Mas estou a divagar porque o tema inicial era o relatório que pretende exigir transparência das vanity-press (e não só).
Há muitos escritores que, aquando da publicação da sua primeira obra (ou mesmo as consequentes), muitas vezes depois de uma série de “nãos” de outras editoras, recebe uma proposta de edição de uma vanity-press e pensa “Finalmente alguém disposto a apostar no meu trabalho!”. A alegria é imensa e muitas vezes cega. Muitos dos autores iniciantes não conhecem as alternativas. Não percebem que não têm obrigatoriamente que pagar para serem publicados. Acham normal e não questionam, não pesquisam.
Fica a dica: Falem com outros escritores, sondem, pesquisem na internet, contactem outros autores da mesma editora e perguntem-lhes sobre as suas experiências (a maioria dos escritores são muito acessíveis). E, mais que tudo, vejam escritores que começaram naquela editora e mudaram para outras. Perguntem-lhes porque mudaram. Se gostaram da experiência. E mais que isso, desconfiem.
Vou dar-vos o meu mui singelo exemplo. Quando comecei a sondar editoras para o meu romance “Angel Gabriel – Pacto de Sangue“, em 2010 / 2011, era habitual enviar-se uma sinopse, um resumo da minha carreira enquanto escritora e a minha apresentação, bem como as primeiras 50 páginas do romance. Fiz isto para uma seleção de editoras que sabia que publicava no género que escrevi. Muitas não responderam (é normal, acreditem), outras disseram que não tinham espaço no calendário editorial (resposta muito habitual), pelo menos uma pediu-me o manuscrito completo para análise e houve outra que, após receber apenas as primeiras 50 páginas disse que estava interassada em publicar o meu livro e queria agendar uma reunião. Ora eu desconfiei logo, claro está! Posso ter total confiança na minha escrita, mas que editora diz que publica sem sequer ler o manuscrito completo? Uma vanity-press!
Eu mesma desconhecia estes meandros da publicação na altura. Não pesquisei a fundo antes de me aventurar. Nessa altura a editora era recente e ainda não havia muita informação dos autores. Mesmo assim fiz o seguinte: respondi à editora e disse que estava muito contente com o contacto deles, anexei o manuscrito completo e pedi que lessem a totalidade antes da reunião, para saberem o que iam publicar. Essa reunião nunca aconteceu. Não cheguei a ser publicada por eles.
Não me arrependo! Contactei autores que tinham publicado com eles, percebi o modelo de publicação e, apesar de ser uma vanity-press séria, transparente e acessível, eu sabia que não era aquele o modelo de publicação que pretendia. Continuei a tentar a minha sorte com as editoras tradicionais, e depois de alguns anos decidi auto-publicar. Não me arependo!
Tudo isto para dizer que há muitos autores, novos e não só, que acreditam que a única forma de serem publicados é pagarem, e até perderem os seus direitos. E isso não é verdade. O sistema tradicional de edição não exige um cêntimo ao autor. As alternativas da auto-publicação e das vanity-press existem, sempre existiram e são uma boa alternativa em muitas situações. Mas é preciso que todos os autores percebam as suas implicações antes de tomarem uma decisão. E se as editoras não forem claras, sérias e transparentes, isso não vai acontecer
Uma nota final só para tocar um assunto que me é muito caro: um autor auto-publicado ou publicado em vanity-press não é, logo à partida, menos talentoso, menos competente ou menos merecedor de apoio do que aqueles autores que publicam nas editoras tradicionais. Podem existir mil e uma razões para não ter sido publicado por uma tradicional. Pode ser por escolha, por culpa do mercado, ou tantas outras coisas. Dêem uma oportunidade aos autores nacionais, seja qual for o seu modo de publicação. Encontrarão certamente boas leituras, mas se pelo meio virem um livro cheio de gralhas, falem com o autor e também com a editora (por email ou mensagem privada), para que eles possam melhorar numa publicação seguinte.
Assim que terminar de ler todo o relatório, caso tenha mais alguma coisa a dizer, farei nova publicação.
Deixo ainda espaço para vocês darem a vossa opinião sobre este assunto. Tinham conhecimento deste mundo editorial? É algo que vos interessa? Concordam ou discordam desta tentativa de obrigar todas as editoras a serem mais frontais em relação às suas práticas. E já agora, conhecem casos de autores que tenham sofrido com este tipo de situações?